sábado, 29 de dezembro de 2012

Extra: O Ano da Bruxa

Hey galera! Depois de algum tempo desaparecida - só pra variar - voltei! E, claro, voltei com mais um extra bem legal pra fechar o ano com chave de ouro. Ou nem tanto.
A história se encerra em As Bruxas de Oxford em meados de novembro, quase comecinho de dezembro. E, quando retomo a história em O Coração da Magia - que, espero, vocês poderão ler muito em breve! - já estamos começando o mês de Fevereiro.
E aí, bom, o que acontece nesse período?
Bruxas comemoram o Natal?
Ou o Ano Novo?
Sim, sim, comemoram. E uma família grande e peculiar como a da Malena certamente tem um jeito todo especial de fazer isso. Então compus esse pequeno "conto" que narra o fim de ano na casa dos Gordon, nesse período entre o final do Bruxas e o início do segundo livro!
Espero que gostem ;)
Ah, e um feliz 2013 :)

PS: Se você não leu As Bruxas de Oxford, não leia o conto. Muitos, muitos spoilers.

O fim de ano na casa dos Gordon sempre havia envolvido uma porção de tradições.
Desde criança, eu estava acostumada a pequenos hábitos que tornavam as festas de fim de ano da minha família tão únicas quanto quaisquer outras. Havia um jeito a que estávamos acostumados a celebrar que começava dias antes do Natal, quando papai e Adam chegavam em casa com a árvore.
Todos os anos, um de nós era eleito para comandar a decoração natalina. Era uma competição que envolvia boas notas, bom comportamento e, acima de tudo, bajulação. Embora a disputa fosse mais acirrada quando éramos crianças, não havia perdido a graça quando crescemos – a diferença é que estávamos cada vez mais criativos na arte de puxar o saco. Aquele que fosse escolhido poderia tematizar a casa a seu bel prazer e até escolher o menu da ceia. Era um grande privilégio numa casa com tantas vozes berrando ao mesmo tempo para serem ouvidas.
Depois vinham as brincadeiras. Quando éramos pequenos, brincávamos de esconder leite e biscoitos pro Papai Noel em lugares onde só nós (e as nossas cartinhas) poderíamos encontrá-los – nunca ocorreu a ninguém que fosse o papai a ler as cartas, e o papai e comer tudo durante à noite. Depois que crescemos, passamos a esconder pela casa pistas para confundir uns aos outros durante os dez dias entre o sorteio do amigo secreto e o dia do Natal. A diversão na mesa de jantar era debater, em vozes altas e alarmadas, as possibilidades sobre quem havia nos tirado.
E então vinham as festas. A ceia na véspera de Natal, ficar até tarde assistindo ou escutando o que quer que o eleito do ano tivesse escolhido. Brigar pelos últimos cookies da assadeira. Fazer guerra de restos de comida. Limpar tudo depois, sob o olhar severo e divertido da mamãe, que nunca evitava a bagunça, por mais que detestasse a brincadeira. E então decorar a casa em tons de branco pra chegada do Ano Novo. Pendurar luzes, soltar fogos no quintal, sair em disparada pela rua gritando “feliz ano novo” por toda a vizinhança. Patinar no gelo, fazer guerra de neve. E só dormir quando amanhecesse o novo ano.
Tínhamos feito aquilo todos os anos, por toda a minha vida. Mesmo nos anos mais ruins, em que estávamos mais distantes, nossas tradições tinham continuado intocadas.
E então havíamos mudado de cidade.
E eu tinha descoberto que era bruxa.
E eu tinha matado duas garotas.
E de repente, tudo parecia não fazer o menor sentido.
Claro que, para a minha família, nada disso estava claro. Mamãe estava disposta a manter todas as tradições o máximo que pudesse. E foi por este motivo que, quinze dias antes do Natal, nos reunimos na sala para a votação.
- Vocês todos foram muito bons esse ano. – mamãe começou, mas papai a interrompeu.
- Quase todos. – ele corrigiu – Eric reprovou na escola. Então, parceiro, isso já te desclassifica da jogada.
- Droga! – meu irmão exclamou, com uma careta.
- Na verdade, acho que nós já decidimos há algum tempo. – mamãe continuou, após um olhar reprovador na direção de Eric – A pessoa que escolhemos foi bastante dedicada ao longo do ano. Mais do que qualquer outra pessoa nessa sala, esta pessoa lembrou a todos nós como é importante cedermos certas coisas pelo bem da nossa família.
- Sim. Acredito que ela foi um exemplo este ano. Então, Malena, querida, o Natal é todo seu.
Eu sorri e tentei parecer animada, mas não conseguia me enganar. Não tinha ânimo nenhum pra pensar em decoração ou ceia de Natal. Mas não podia dizer isso, não quando todos estavam lutando com tanto afinco pra manter a normalidade.
Nosso Natal acabou sendo roxo. Deu um tremendo trabalho e passamos bons dias pintando enfeites antigos, mas foi o melhor que eu pude inventar. Enquanto observava a decoração do lado de fora, Toy sentou-se ao meu lado, pouco preocupado com a camada espessa de neve se formando no jardim.
- Roxo. Talvez devesse ter combinado com um pouco de laranja. Cores de bruxas, segundo os humanos. – ele disse, na sua voz entediada. Engoli em seco.
- Eu não sou mais bruxa. – retruquei, amargamente. Vinha tentando não pensar nisso. Vinha tentando não relembrar o quanto a minha magia me fazia falta, mas não conseguia. Era como tentar esquecer que havia uma parte do meu corpo faltando.
- É o que ouvi dizer. – ele se levantou e chacoalhou a neve acumulada nos pelos como um cachorrinho – Feliz Natal, Malena.
- Feliz Natal. – murmurei.
Na noite de Natal, pouco depois da meia-noite, Sam me ligou. Abandonei a gritaria que havia se formado na sala de estar enquanto Dylan e Freddy entoavam uma versão muito maltratada de “Have Yourself a Merry Little Christmas” e fui pra cozinha atendê-lo.
- Feliz Natal, Lena! – ouvi sua voz suave dizendo, e abri o primeiro sorriso sincero em dias. Ele tinha começado a me chamar de Lena havia poucas semanas, mas já fazia meu coração derreter.
- Feliz Natal, Sam.
- Como estão as coisas por aí?
- Brilhantes. Papai tomou um porre de vinho, mamãe exagerou nas rabanadas e meus irmãos entraram num tipo de competição para arruinar músicas de Natal. Nada de novo.
- Mais animadas que por aqui.
Não respondi. Havia um nó do tamanho de uma bola de futebol entupindo a minha garganta.
Claro que as coisas por lá deveriam estar péssimas. Como poderiam estar boas, normais? Megan estava supostamente desaparecida, e os pais de Sam deviam estar inconsoláveis. E ele, Sam, irmão dela, sabia a verdade. Toda a verdade. E estava se dando ao trabalho de esconder tudo só pra me proteger.
Não havia mesmo nenhuma possibilidade de eles estarem tendo um bom Natal.
- Desculpe, eu não queria... – ele começou, logo que se deu conta do que havia dito.
- Não tem problema. – interrompi, quase num sussurro. Então respirei fundo e disse – Olha, eu preciso voltar lá pra sala. Depois a gente se fala.
- Eu te amo.
- Amo você também.
Desliguei e larguei o telefone na cozinha, voltando a passos lentos para a sala. Meu Natal já estava mais do que arruinado.
--
Não à toa, meu ânimo já baixo desapareceu quase que por completo até a chegada do Ano Novo. Enquanto ajudava todo mundo a redecorar a casa, só conseguia pensar no quanto eu tinha feito pessoas sofrerem. Eu tinha um contato mais direto com a família de Megan, mas e quanto à família de Kathi Jonas? Ela era uma bruxa desgraçada, mas com certeza havia alguém procurando por ela. Sofrendo por ela.
Que bagunça eu tinha feito. Duas mortes. Duas famílias destroçadas para sempre. E tudo por minha culpa. Como eu poderia jamais reparar todo aquele dano? Como eu poderia me desculpar?
Não podia, e eu sabia. E estava enfiada até o pescoço no vale da culpa por causa disso.
Depois da meia-noite, como sempre, eu e meus irmãos fomos pra frente da casa para soltarmos fogos. Os vizinhos mais próximos estavam muito longe, então pulamos a parte de correr pelas ruas desejando um feliz ano novo. Mas após soltarmos rojões até ficarmos surdos, fizemos a nossa tradicional guerra de neve. E quando a nevasca começou a ficar forte demais pra ficarmos do lado de fora, nos recolhemos na sala pra conversar, ver filmes e esperar o primeiro dia do ano nascer.
Não sei em que momento cochilei no sofá. Estava quentinho com a velha lareira da Casa Azul acesa e todos os cobertores pra nos proteger do frio, e minha cabeça foi ficando pesada. Era tão difícil ficar de olhos abertos quando o ombro da minha mãe era tão confortável! E em algum momento, simplesmente apaguei.
E de repente, eu estava de volta ao pior dia da minha vida.
As chamas ameaçavam consumir o corpo de Sam e eu estava correndo. Correndo como louca, tropeçando nos saltos e naquele maldito vestido de festa. Kathi e Megan também estavam lá, poderosas e demoníacas, me aguardando.
Revivi cada minuto de dor, de angústia. Eu gritava e me debatia contra forças invisíveis – lutava contra magia. Elas diziam coisas que eu não conseguia distinguir, e quando eu finalmente conseguia gritar, elas caíam mortas. E então Sam se libertava e olhava pra mim como se encarasse um monstro enjaulado.
- Por que você fez isso, Malena?
A dor, a decepção em sua voz eram impossíveis de tolerar. E então eu abri os olhos, subitamente me levantando, como se saísse da água após muito tempo submersa.
- Filha, calma! – senti uma mão nas minhas costas e automaticamente me virei na defensiva. Mas era apenas mamãe, me olhando com preocupação.
Assim como todos na sala.
- O que aconteceu? – ela me perguntou, e precisei de um minuto pra respirar antes de conseguir responder.
- Foi só... um pesadelo.
- Que jeito bacana de começar o ano, hein? – Freddy brincou, mas eu não ri. Como poderia?
Ele não tinha nem ideia...

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